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No Facebook, o risco de outros usarem as fotos do seu filho “nem sempre vem de fora”. Pode vir dos próprios ‘amigos’.

Smartphone ou câmara em punho. A oportunidade é boa, a pose também. Basta um clique para fotografar mais uma memória do seu bebé e publicá-la no blogue que vai mantendo actualizado. Semanas depois, descobre essa imagem num anúncio de venda de um bebé para redes de pedofilia, num portal “muito conhecido” de classificados da Internet. O caso é extremo, mas a história é verídica e veio etiquetada como o “pior” exemplo que Tito de Morais se lembrou. O fundador do site MiúdosSegurosNa.net pegou neste episódio para avisar que pode acontecer a qualquer pai ou mãe que opte por partilhar imagens dos filhos na Internet: “Hoje as crianças ainda não nasceram e já têm presença no Facebook. Até há pais que publicam logo as ecografias.”

Seja sozinhos ou acompanhados, ainda bebés ou já pré-adolescentes, é quase impossível garantir a segurança de uma imagem na Internet. Entre blogues, redes sociais ou sites pessoais, “é muito difícil resistir à tentação de partilhar as fotografias dos nossos filhos”, reconheceu Tito de Morais, também ele pai de dois rapazes, com 10 e seis anos.

E o perigo nem sempre vem de onde mais se espera. “A percepção que os pais têm é de que o risco vem de pessoas de fora”, alertou ao i, corrigindo uma sensação que fez a conversa chegar logo ao Facebook, onde os 13 anos são a idade mínima para se criar uma conta. Até lá, fotografias de crianças só pela mão dos pais: “As pessoas que nos são próximas, amigos do Facebook, podem não gostar de nós e sabem quais os botões onde podem carregar para nos doer mais.” E aqui não há estratégia mais dolorosa: “Os nossos filhos são o principal botão, um que nos dói muito, [e] quem nos quer atingir sabe-o”.

Um computador e cinco minutos de paciência no Facebook são suficientes para descobrir algum amigo com fotografias publicadas do ou com o filho. E tempo também não é muito até se descobrir uma página aberta a terceiros, fora do círculo de amigos, de uma mãe com imagens do seu bebé. “Há pais que têm a ilusão de que o Facebook e outras redes sociais são feitas só por pessoas boas. Mas as pessoas más também as usam.” O alarme não se esgota por aqui. Nada garante que um novo amigo adicionado não o deteste e nunca haverá maneira de descobrir se copiou uma imagem e a publicou num portal de classificados.

Escolher bem os amigos será portanto o conselho mais óbvio. E o mais drástico será não publicar nada. É isso que faz Filipa Iglésias. Com um filho de quatro anos, a advogada tem “um cuidado quase fundamentalista” e “não tem quaisquer fotografias pessoais ou do filho” na Internet – onde tudo o que seja publicado “está visível para o mundo inteiro, por mais detalhadas que sejam as políticas de privacidade de cada site.”

Exibicionismo Mas nada publicar numa rede social vai contra a sua natureza, que “assenta na partilha de conteúdos”, recordou Tito de Morais. E “uma pessoa, se quiser utilizar estas redes, é praticamente forçada, estimulada e incentivada a fazer essa partilha”. Uma tendência também criticada por Eduardo Sá, preocupado por “a determinada altura, essa partilha se tornar um exercício mais ou menos compulsivo”, resultando numa “exposição que pode ser excessiva”. Nesses casos, o psicólogo defende que há “um certo exibicionismo” dos pais, que quase fazem do Facebook “um índice de notoriedade e visibilidade”.

Por vezes, diz o psicanalista, “apenas falta um post a dizer: ‘Admirem-me e vejam só como sou bom pai'”. Uma moda “escorregadia” e que “chega a ser compulsiva.” Eduardo Sá até recordou o caso de uma mãe, na praia, que “trocava mensagens pelo Facebook, a questionar se devia ou não dar água ao filho, para ele beber”, com este “à sua frente, ao sol, à espera”.

Filipa Iglésias contorna esta tentação de partilha através do email, que usa “quando [quer] partilhar com amigos e família” as fotografias do filho. “O direito à imagem é fundamental, e a intimidade do meu filho não me pertence. Cabe-me protegê-la o mais que puder, e é o que faço.” Uma vez online”, lembra advogada, “fica à disposição do mundo inteiro”.

A cautela também se alastra a Rita Oliveira. No seu dia-a-dia, prefere o bom senso ao fundamentalismo. “Não podemos cair em medos exagerados. Para mim faz parte do bom-senso de uma mãe ou de um pai não publicar uma imagem no Facebook do filho a tomar banho, por exemplo”, argumentou. Quando nasceu a filha, há quatro anos, “o Facebook não tinha o impacto que tem agora” e as “definições de privacidade não eram muito boas”. A coisa cresceu (a sua popularidade também), e hoje, dos 484 amigos que tem no Facebook, Rita só ‘mostra’ as fotografias que publica a 105 deles, “os mais chegados” e com quem mantém “uma relação de confiança”.

Deste modo, “não parece que acarrete muitos riscos”. Com Inês Cardoso, os “cuidados maiores” caem sobre evitar “tudo o que tenha a ver com localizações, identificações e rotinas” no Facebook, que possam conceder dados sobre os seus dois filhos, de nove e cinco anos. Inês partilha imagens mas “não dramatiza”, apesar de saber que “por muito cuidado que tenha pode haver algum amigo que pegue na imagem e faça alguma coisa com ela”.

Perigos que um projecto português diz evitar. A LimeTree não é uma rede social. Não quer partilhar, mas antes guardar com “segurança e a privacidade” os “conteúdos dos utilizadores”. Isto por não ser um serviço vocacionado à partilha. “Como o Facebook”, explicou Pedro Veloso, um dos três fundadores do site, lançado em 2012 e concebido como “um espaço privado” onde se “guardam conteúdos” que são alojados na mesma forma e local “dos dados do NASDAQ, a bolsa tecnológica de Nova Iorque”, nos EUA.

“Não ter medo de tudo” Mas os rastos fotográficos de crianças não se detectam só em redes sociais. Em blogues também se partilha, e aqui não há sequer definições de privacidade. “Não creio que possa vir daí assim tanto mal ao mundo. As fotos podem circular na Internet, mas também as dos filhos da Angelina Jolie, do Tom Cruise e do David Beckham, e eles são infinitamente mais apetecíveis do que os meus”, conta Sónia Morais Santos, ao falar das imagens que “raramente” já publicou dos três filhos no seu blogue, “Cocó na Fralda”.

Sofia até admite uma certa “vaidade tola” nas poucas vezes que publicou fotografias no seu blogue. “O mundo é cruel, mas nós vivemos cá e não me parece normal esconder-me”, justifica, quando se lembra dos perigos que, por norma, espreitam nestas situações: raptos ou pedofilia. “Se for pensar nisso, tenho de começar a tapá-los quando andam na rua, na escola, em todo o lado”, enumerou, já que “pode sempre haver quem esteja a olhar para eles com esses pensamentos”.

Também Rita Oliveira “não pensa nisso”, ao equiparar a possibilidade de uma imagem no Facebook conduzir a um caso de pedofilia à probabilidade “de alguém poder estar a observar” a sua filha “num jardim infantil ou no recreio da escola”. Tudo “riscos que existem”, confessa, mas não se deve “ter medo de tudo” nem “prender as crianças em casa”.

Fonte: Jornal I – Portugal

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