Artistas do século XIX deixaram imagens futuristas surpreendentes sobre como imaginavam o mundo no século XXI. A época em que viveram, a segunda metade do século XIX, foi marcada por avanços técnicos e científicos em todos os campos da ciência (veja quadro abaixo). Nas grandes cidades exaltavam-se as novidades como sinal de progresso e de “civilização”. Um clima de otimismo no futuro difundiu-se nas sociedades urbanas industriais, especialmente com a aproximação do novo século e os preparativos para a grandiosa Exposição Mundial de 1900, em Paris onde o público pode ver, pela primeira vez, o que havia de mais recente em ciência e tecnologia.
Descobertas e invenções do século XIX
A chamada Segunda Revolução Industrial(c. 1850/70 a 1920/30) foi marcada por uma série de avanços técnicos e científicos que impulsionaram a produção industrial. A descoberta da conversão do ferro em aço abriu a era das grandes usinas siderúrgicas. O aço substituiu o ferro nos armamentos, nas máquinas e foi usado no ramo da construção, em pontes, viadutos e arranha-céus (o primeiro construído em 1884).
Novas fontes de energia – a eletricidade e o petróleo – abriram caminho para uma revolução nos meios de transporte, nas comunicações e na vida urbana. Lâmpadas elétricas iluminaram ruas, estenderam a jornada de trabalho nas fábricas e ampliaram o lazer noturno nas grandes cidades com teatros, restaurantes, bailes, óperas e o cinema (inventado em 1895).
Ferrovias encurtaram distâncias unindo áreas urbanas e rurais. Nas cidades, bondes elétricos e metrôs (o primeiro inaugurado em Londres, em 1863) ligaram o centro à periferia. A invenção do telefone, telégrafo sem fio, cabo submarino e rádio revolucionou as comunicações.
Nos Estados Unidos, os inventores Thomas Edson e Nikola Tesla disputavam qual o melhor sistema de transmissão de energia elétrica, se a corrente contínua ou a corrente alternada.
Descobertas na química e na biologia alteraram a relação do homem com a natureza com a invenção de inseticidas, adubos e explosivos (usados na construção de canais, túneis, estradas etc). Na medicina, a descoberta da anestesia, de vacinas e do bacilo da tuberculose e da peste bubônica revolucionaram a vida humana contribuindo para sua longevidade e o crescimento demográfico.
O século XIX imagina o século XXI
O clima de transformações aceleradas incendiou a imaginação de desenhistas, pintores e escritores. Os avanços científicos estimularam Júlio Verne (1828-1905) a escrever obras que inauguraram o gênero de ficção científica, entre elas, Viagem ao Centro da Terra (1864), Da Terra à Lua (1865), Vinte Mil Léguas Submarinas (1870) e Volta ao mundo em oitenta dias (1873) – em que os personagens pilotam submarinos e máquinas voadoras para viajar ao centro do planeta ou à Lua. Albert Robida (1848-1926), escritor, caricaturista e ilustrador francês seguiu na mesma linha. Escreveu e ilustrou uma trilogia de romances futuristas em que imaginou o mundo no ano 2000 transformado pela tecnologia: Le vingtième siècle (“O século XX”, 1883), La guerre au vingtième siècle (“A guerra no século XX”, 1887) e La vie électrique (“A vida elétrica”, 1890).
Em sua visão futurista, Robida alerta sobre doenças criadas pelo homem, a poluição do ar e dos rios, guerra com gases venenosos e mísseis acionados à distância (La guerra au vingtième siècle). Para diminuir os danos à saúde, ele projeta a criação de parques em toda a Europa onde as inovações técnicas seriam proibidas e onde os moradores da cidade poderiam se recuperar e restabelecer o contato com a natureza.
Em La vie électrique ele deixa claro a posição das mulheres no futuro:
“As mulheres agora são iguais aos homens, recebem a mesma educação e o direito de voto, têm os mesmos direitos políticos e sociais. (…) Tanto homens como mulheres estão febrilmente ocupados com seu trabalho. (…) Ela abre uma loja, funda um jornal ou um banco (…).
O téléphonoscope imaginado por Robida em La vie életrique era um aparelho de videofone e televisão de tela plana que transmitia, 24 horas por dia, as últimas notícias, a programação teatral, cursos e teleconferências e ainda com possibilidade de interação do usuário.
Por volta de 1882, Albert Robida imaginou como seria a saída do público do teatro, em Paris, no ano 2000, e criou a gravura Le sortie de l’opera en l’na 2000. Uma visão futurista dos percursos aéreos sobre a cidade de Paris. Diferentes tipos de veículos, incluindo ônibus e limousines, patrulhas da polícia rondando os céus, mulheres são também vistas dirigindo suas próprias aeronaves. O automóvel só seria oficialmente criado em 1885 e o avião ainda mais tarde, em 1903, portanto muito depois do desenho futurista de Robida. Um futuro imaginado com máquinas fabulosas, mas onde as pessoas continuam usando a moda do final do século XIX e se divertindo com o mesmo tipo de entretenimento.
Outros artistas, como os franceses Jean Marc Cótè e Villemard (ou Ville-Emard), também imaginaram o futuro em que máquinas simplificariam o trabalho e o cotidiano das pessoas. Jean Marc Cótè criou gravuras futuristas em 1899 que seriam impressas, no ano seguinte, em em caixas de cigarros e charutos, em comemoração à mudança do século. Mas a fábrica de tabaco fechou antes que as imagens entrassem em circulação. Villemard, por sua vez, produziu, entre 1899 e 1910, uma série de 25 cromolitografias (cartões) que chamou En l’an 2000 ou Visions de l’an 2000.
Se alguns desenhos nos parecem, hoje, fantasiosos demais, outros são surpreendentemente proféticos chegando a prever as atuais tecnologias de comunicação e informação. Interessante observar que a visão de futuro de Albert Robida, Jean Marc Cótè e Villemard conserva elementos de seu próprio tempo, como as vestimentas, a ordem social, o trabalho e as atividades cotidianas. Um exemplo de que a obra de ficção científica é um documento de mão dupla: imagina o futuro sob o olhar do presente. Neste sentido, ela pode nos revelar subjetividades da época em que foi produzida, isto é, expectativas, impressões e valores nem sempre perceptíveis em outras fontes.
Confira nas dez imagens abaixo.
- Albert Robida. Site sobre suas obras.
- Blog sobre Albert Robida.
- ROBIDA, Albert. Le vingtième siècle: la vie életrique. Obra completa.
- WILLEMS, Philippe. A stereoscopic vision of the future: Albert Robida. Science Fiction Studies.
- Júlio Verne. Revista Scientific American. Exploradores do Futuro, n. 1, maio 2015.
- Utopie, Exposition Virtuelles, Biblioteca Nacional da França.