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Crianças munidas com seus tablets e smartphones estão em todos os lugares, os jovens estão cada vez mais conectados. A linha tênue que separa a vida física da digital praticamente não é percebida por eles. E é aí que está o grande desafio a ser encarado por pais, professores e diretores das instituições de ensino. Afinal, qual é o limite do uso dessas novas tecnologias dentro do ambiente escolar?

Condutas erradas não faltam no mundo digital. São crianças se expondo demais e abrindo brechas para a ação de criminosos, jovens que usam a internet para ofender colegas e professores que não sabem direito como se posicionar. Controlar 100% o acesso a sites como Facebook e Twitter – muitas vezes feito dos próprios telefones – é praticamente impossível.
Para especialistas, educar é o caminho mais seguro para proteger a todos, desde as instituições de ensino e professores até os próprios estudantes. “É importante criar regras que orientem a presença digital e estimular que os pais e alunos as leiam. A escola deve gerar mais informações sobre esse tema”, sugere a especialista em Direito Digital, Patricia Peck Pinheiro.

Essa também é uma forma de evitar problemas judiciais. Via de regra, as instituições de ensino podem ser processadas por danos causados por recursos fornecidos pela própria instituição, como o uso indevido de um computador dos laboratórios. E também por negligência, ou seja, quando percebem que algo de errado está acontecendo e não fazem nada para evitar.

Recentemente, um grupo de alunos de um respeitado colégio gaúcho criou um perfil falso de um colega. O objetivo era prejudicar a sua imagem, a partir de xingamentos e acusações que, por si só, já são capazes de marcar a vida de um adolescente. A prova maior da falta de bom senso é que até mesmo professores chegaram a “curtir” a página na web.

Essa atitude indignou a família do aluno, e eles procuraram a direção. A falta de interesse da instituição em resolver o problema fez com que isso se tornasse um processo judicial. Depois de um tempo, os gestores perceberam a gravidade da situação e recuaram. Os pais do jovem, então, receberam uma indenização, e ele foi transferido.

Casos como esse estão longe de ser uma exceção. “Os colégios têm sido responsabilizados por atos ilícitos realizados por alunos durante o horário escolar, o que torna a prevenção uma necessidade urgente”, alerta a advogada Letícia Batistela, diretora da LB Consultoria e assessora jurídica da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação (Assespro-RS).

Com a experiência de quem vem realizando um trabalho de consultoria para apoiar os colégios sobre o uso correto das redes sociais, e-mails e internet pela comunidade escolar, Letícia explica que o primeiro passo a ser dado por uma instituição de ensino é realizar um diagnóstico da situação atual e dos documentos contratuais firmados com os alunos e professores, como termos de confidencialidade e de uso de imagem. Com base nesse trabalho inicial, é possível formatar uma política de segurança e realizar palestras de conscientização.

Algumas questões básicas também precisam ser atacadas. Nesse caso, ela alerta para a importância do treinamento dos colaboradores da escola que utilizam as ferramentas de informática. Postagens oficiais no Twitter ou Facebook, por exemplo, devem ser feitas de forma profissional. “Alguns gestores colocam pessoas despreparadas para alimentar as redes sociais e esquecem que esse ambiente web também fala muito sobre a própria imagem da escola junto ao seu público”, avalia a especialista.

Especialista alerta para embate entre liberdade e controle

Não tem sido fácil para as escolas encontrar o equilíbrio entre a liberdade da internet e as tradicionais regras de atuação dessas instituições, aponta o professor titular do Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Simão Pedro P. Marinho. Ele destaca que muitas dessas instituições costumam ter receio de se expor através de blogs criados por professores ou alunos ou pela presença nas redes sociais virtuais. Marinho é um estudioso desse tema e foi designado pelo Ministério da Educação (MEC) para integrar o Comitê Científico-Pedagógico do Projeto de Formação do Programa Nacional de Tecnologia Educacional.

JC Empresas & Negócios – O modelo tradicional de gestão das escolas combina com toda a liberdade pretendida pela internet e pelas redes sociais?

Simão Pedro P. Marinho – A escola foi, é e sempre será lugar de rede social, através das suas diversas representações. Olhe para uma sala de aula e você verá uma rede, na maioria das vezes, centralizada, em que o professor constitui o nó central e cada aluno forma uma estação. A rede descentralizada se caracteriza por uma organização na qual cada nó tem a mesma importância, a mesma relevância. Não há um poder centralizado, centralizador. E é justamente essa rede que tem sentido quando falamos de redes de pessoas.

Empresas & Negócios – As redes descentralizadas são as mais propícias para a construção de relações sociais na internet, mas não são as que prevalecem nas instituições de ensino. Como resolver essa equação?

Marinho – Eis aí um enorme desafio para as instituições de ensino. A escola se estrutura como espaço de poder, um controle do qual não parece disposta a abrir mão. Porem, a verdadeira rede, a distribuída, não pode ser criada como exercício de poder. Existem escolas que têm receio de blogs criados por professores e alunos, pois temem se expor. Imagine como irão encarar as redes virtuais. O recente episódio da estudante que usou um blog para mostrar as mazelas da sua escola e as diversas reações a isso, até com uma professora querendo acioná-la judicialmente, revela essa dificuldade. A estudante buscou um lugar no ciberespaço para dizer o que sentia necessidade de dizer, certamente porque não conseguiu fazer com que a sua voz ecoasse na escola. Permito supor que, se houvesse o espaço do diálogo na escola, ela não teria “gritado” para o mundo. Se a escola vai para as redes sociais – enquanto ação organizada, ação coletiva, ainda que por decisão de gestores –, terá problemas com o controle. E sem poder controlar, sem poder exercer a disciplina, é possível que a escola “entre em parafuso”. Um caminho possível é o de criar espaços próprios. Mas, apesar disso parecer uma solução, não deixa de ser um problema potencial, porque essa não deixaria de ser uma centralizada, vigiada e comandada pelo poder da escola.

Empresas & Negócios – O uso dessas novas redes e a colaboração podem trazer benefícios para a educação?

Marinho – Há quem enxergue, no uso das redes sociais, enormes potenciais pedagógicos. Alegam que essas novas ferramentas serão de grande valia para a aprendizagem e que trarão contribuições para a melhoria da educação, na medida em que incentivam a colaboração e a cooperação. Há uma expectativa de que isso possa provocar mudanças nas formas de ensinar e de aprender. Acho interessante quando as pessoas encontram tantos potenciais para as redes sociais virtuais na educação quando tantas oportunidades de avanço, de melhoria no processo educacional são perdidas nas relações que acontecem nas redes normais, naturais da escola. Como querer acreditar que com redes sociais virtuais a escola assegurará a necessária melhoria na educação, que não consegue ainda fazer acontecer? Ao adotarmos as redes, com esse seu poder mágico de transformação, não estaríamos jogando a responsabilidade por essa melhoria para a tecnologia, porque ela seria o elemento novo? Será que o encantamento dos alunos com as tecnologias é suficiente para operar esse “milagre”? Definitivamente, não sei.

Empresas & Negócios – Quais são os riscos da introdução das redes sociais no processo educativo?

Marinho – É difícil falar de riscos, a não ser aqueles que eu diria naturais do ambiente da internet: o anonimato, o contato com os estranhos, a pedofilia. Riscos que, de alguma maneira, já estão na vida das pessoas, até mesmo fora das redes sociais virtuais. Já do ponto de vista do ensino, o maior risco talvez seja o de que muitos professores não comprem a ideia, ou de que só atuem nas redes sociais virtuais apenas por determinação das escolas. E, nesse caso, a instituição de ensino certamente vai perder investimento e tempo, porque fará aquele uso “para inglês ver”, como já acontece com o computador na escola. Como razão para essa nova resistência dos professores está, indubitavelmente, o fato de que isso significará mais trabalho para eles, já muito sobrecarregados. A ocupação dos espaços das redes sociais não se fará durante o tempo da escola. Seria um tempo para além dele, quando o professor estiver ocupado em outro turno de trabalho, no tempo da sua formação continuada ou do seu descanso. E aí temos outro problema: a necessária remuneração por esse trabalho extra. É um problema, porque não consigo ver a escola preparada para remunerá-lo. As instituições de ensino aprenderam a pagar a hora-aula facilmente mensurável entre o soar de uma sirene e o seguinte. E, no caso da rede particular, cobra-se hora-aula e, claro, também se paga hora-aula. Para que o eventual uso de redes sociais na escola possa se tornar realidade, a escola precisa reconhecer que esse será um trabalho a ser executado fora do seu espaço e do seu tempo regular e que deve ser remunerado.

Empresas & Negócios – A resistência dos professores deve-se ao uso das novas tecnologias ou aos novos modelos de trabalho que terão que ser criados?

Marinho – É falácia creditar asua resistência à tecnologia à dificuldade de incorporação das tecnologias digitais de comunicação na escola. Aquilo a que muitos professores lamentavelmente resistem é fazer o novo jeito, uma nova pedagogia. Eles não querem sair de uma zona de conforto com a qual se acostumaram, assegurada pela repetição ano após ano das velhas aulas expositivas, que lhes asseguram o poder na sala de aula. E, nessa assimetria, mantém-se o poder na escola: quem sabe pode.

Posturas no ambiente digital devem fazer parte do conteúdo programático

A tecnologia evolui rapidamente, os jovens absorvem isso de forma quase imediata, e os professores e gestores escolares têm dificuldade para definir um plano de ação. Essa é a realidade hoje no País, comprovada recentemente pelo estudo Panorama da Educação Digital no Brasil, realizado pelo Movimento Família Mais Segura na Internet, ação de responsabilidade social digital idealizada por Patricia Peck Pinheiro.

Apesar de 96% das escolas brasileiras ouvidas disponibilizarem computador e acesso à internet, 55% ainda não possuem a disciplina Cidadania, Ética e Segurança Digital. Ou seja, apesar de a tecnologia ter entrado na rotina escolar, a orientação sobre como fazer uso disso não faz parte do conteúdo programático. “Isso gera uma lacuna de comportamento, porque você dá a ferramenta, mas não orienta como usar. É algo sério, especialmente se formos pensar que estamos falando de um público-alvo formado por jovens, que estão na idade de desafiar limites e regras”, comenta Patricia.

A pesquisa, realizada em 2012, envolveu mais de mil escolas, entre públicas e privadas, em mais de 20 estados brasileiros. O objetivo agora é apresentar esses resultados, juntamente com um abaixo-assinado, para o Ministério da Educação e pleitear que a disciplina de Cidadania, Ética e Segurança Digital passe a fazer parte da grade dos ensinos Fundamental e Médio das escolas brasileiras.

O que existe agora é uma mudança de paradigma e a questão básica é o entendimento de uma nova realidade. Antes uma criança ofendia a outra, a via chorando, e essa reação, muitas vezes, já bastava para ela ver a consequência do seu ato. Agora, com o mundo virtual, isso tudo fica mais distante, e as atitudes, até mesmo mais cruéis. Para evitar isso, é preciso fazer os estudantes entenderem que o que eles falarem para milhares de pessoas nas redes sociais terá um impacto muito maior do que o que é dito em uma rodinha de amigos.

Como a questão é de educação digital, uma abordagem que pode ser adotada pelas escolas é a de aproveitar alguns momentos da aula para orientar os alunos quanto ao uso das redes sociais e a de ensiná-los a respeitarem algumas regras, como a da idade mínima permitida para começar a brincar nesses ambientes – na maioria dos casos, a partir dos 12 ou 13 anos. “O jovem precisa aprender a se comportar nesses espaços, e colocar esse assunto em um debate é uma forma de formar indivíduos preparados para a sociedade digital”, diz Patricia.
Algumas escolas começam a dar os primeiros passos na criação de um modelo mais estruturado de uso das novas tecnologias

Quando decidiu entrar oficialmente nas redes sociais, em março de 2012, o Colégio Farroupilha lançou o Kit de Postura nas Redes Sociais. O material orienta os alunos sobre os cuidados que eles devem tomar no momento que postam informações na internet – e, inclusive, sobre o risco para a reputação deles no futuro.

A diretora pedagógica do Colégio Farroupilha, Marícia Ferri, explica que ainda não existe um projeto específico de atuação nesses sites, mas a instituição tem procurado orientar professores e alunos para o uso dentro e fora das salas de aula. “Entramos no Facebook e Twitter para entender como se dá essa relação dos alunos com a instituição. A nossa ideia é nos aproximarmos da linguagem usada e entender como eles se relacionam com essas ferramentas”, comenta. No Facebook, por exemplo, são cerca de 13 mil visitantes únicos por mês.

O Farroupilha possui computadores nos laboratórios de aprendizagem. O acesso às redes sociais só é permitido se for parte de algum projeto pedagógico, e sempre com a orientação dos professores. “É horário escolar, e temos responsabilidade civil com a criança ou adolescente”, diz Marícia. Alguns temas visando à conscientização já estão sendo tratados em sala de aula. Além disso, o grupo de professores tem discutido de que forma é possível se apropriar das novas ferramentas tecnológicas para a parte pedagógica. Vários professores estão nas redes sociais e se comunicam com alunos fora do horário escolar. “A formação de adultos também é muito importante nesse processo”, diz.

Mas, afinal, qual a alternativa mais segura para as escolas conseguirem desenvolver uma estratégia pedagógica alinhada com as redes sociais? Uma saída pode ser as redes controladas, modelo no qual as instituições de ensino assumem o papel de administradoras do ambiente digital, passando a ter conhecimento sobre as pessoas ali registradas e monitorando as atividades realizadas online.

Quem aposta nesse tipo de solução é a Positivo Informática. A empresa lançou no ano passado a Rede Social Educacional, uma versão remodelada do seu antigo portal para uso dos alunos e professores. “Essa plataforma otimiza a comunicação e gera uma maior interatividade nas tarefas escolares, com a vantagem de que tudo fica registrado”, comenta o diretor de Serviços Online da Divisão de Tecnologia Educacional da Positivo Informática, Victor Sebastian Reis da Silva.

O sistema permite personalizações, como a escolha das fotos pessoais e nomes pelos quais eles serão identificados. Outra possibilidade é a criação de acessos por turmas, separando os conteúdos disponibilizados para as crianças daquele dos adolescentes. Já os professores podem se utilizar dessa tecnologia para criar simulados e provas virtuais, agendando dia e horário para a realização em sala de aula ou em casa, se esse for um modelo adotado pela instituição de ensino, e oferecendo conteúdos adicionais, como mapas e textos interativos.

Os professores podem postar mensagens e tarefas para os alunos, e esses podem comentar os posts dos professores. É possível acompanhar quais alunos realizaram as atividades recomendadas, saber o percentual de realização e dar notas pelas atividades realizadas. O ano de 2012 foi de testes, e a expectativa é de que, até o início do ano letivo de 2013, todas as escolas conveniadas da Positivo usem o novo ambiente, que também funciona em tablets. Entre as escolas que utilizam o sistema, está o Colégio Positivo, de Curitiba.

Silva diz que a ideia não é que essa rede social substitua as plataformas públicas, como Facebook, muito usadas pelos adolescentes. Isso porque a prioridade é a parte educacional. Ao mesmo tempo, ele acredita que as redes sociais controladas assumem também uma função pedagógica, especialmente com os mais jovens. “Essa é uma oportunidade para eles aprenderem a usar uma rede social e irem internalizando a cultura do mundo online, para saberem fazer bom uso dela quando forem mais velhos”, observa Silva.

Relação professor-aluno na internet deve ser cautelosa

Ser ou não ser amigo de um aluno nas redes sociais. Para muitos professores, essa é uma dúvida constante. Alguns apenas viram “amigos” ou seguidores virtuais, interagindo ou não. Outros aproveitam sites como Facebook e Twitter para criar uma interação maior com a turma, disponibilizando conteúdos para serem lidos fora da sala de aula ou dando dicas para as provas.

“A orientação dos professores é uma das etapas fundamentais da educação digital. Eles precisam ser conscientizados e agir como multiplicadores”, diz a advogada Letícia Batistela.
Em 49% dos casos, entretanto, eles estão utilizando essa ferramenta sem nem aos menos saber qual seria a melhor postura a adotar, confirma o estudo Panorama da Educação Digital no Brasil. E isso representa um grande risco. Além de gerar um excesso de intimidade, a ausência dos pais nesse ambiente virtual faz com que os professores passem a poder ser responsabilizados caso algo aconteça com os jovens.

Por isso, se tomar conhecimento de algum ato do aluno, como dirigir bêbado ou xingar alguém na rede, o professor precisa avisar os pais ou a diretoria da escola. “É a mesma coisa que um pai deixar o aluno ir a um passeio escolar com o professor. Não adianta dizer que não viu o que a pessoa estava fazendo, pois essa conexão gera responsabilidade”, acrescenta a especialista em Direito Digital Patricia Peck Pinheiro.

Se o aluno não tiver a idade mínima exigida pelas redes sociais, a orientação é que o professor não o aceite como amigo. Mesmo se ele for mais velho, a sugestão é ter sempre muito cuidado. Uma dica pode ser a de separar o perfil de professor do pessoal, até para evitar qualquer situação relacionada a assédio moral. O mais indicado, porém, é que a escola crie regras para facilitar a decisão do professor de não aceitar e depois não ser mal-visto pelo aluno.

Fora do ambiente escolar, mas ainda relacionado a ele, uma das orientações mais importantes é para os pais: atenção redobrada a partir do momento em que os filhos começam a ter contato mais direto com essas novas tecnologias. É isso que tem feito Alexandre Freire, professor de Segurança da Informação do Núcleo de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Eu controlo através de filtros os conteúdos que a minha filha de sete anos acessa na internet, seja no computador, seja no iPad dela”, diz. É um cuidado que agora vai se estender para a escola, já que ele foi comunicado de que a instituição passará a adotar tablets como ferramenta de ensino. “Vou procurar entender como isso vai funcionar para poder acompanhar de perto esse uso”, acrescenta.

Freire acredita que usar ferramentas de proteção e criar um ambiente marcado pelo diálogo são o segredo para uma educação digital, especialmente no caso das crianças. “Elas são uma presa fácil para usuários mal-intencionados, que usam as facilidades da rede mundial para acessar dados de milhares de pessoas muito rapidamente, estudar seus hábitos e criar uma estratégia de aproximação”, observa.

Patricia Knebel – Jornal do Comércio

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