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Tem crescido a exposição dos filhos das redes sociais, consolidando uma tendência polêmica: influenciadores e artistas que incluem seus filhos como parte central de seus conteúdos, transformando momentos familiares em estratégias para engajamento e monetização. Já escrevi sobre isto em outro artigo: Sharenting: o que é e por que você deveria se preocupar? Entretando exemplos emblemáticos dessa prática são Virginia Fonseca, com os filhos Maria Alice, Maria Flor e José Leonardo; Viih Tube, com Lua e Ravi; e Lore Improta e Léo Santana, pais da pequena Liz.

A discussão, no entanto, vai além dos filhos de personalidades conhecidas. Algumas crianças conquistaram a internet de forma independente, como Lulu Mendonça, que encantou 5 milhões de seguidores com vídeos espontâneos de sua rotina, e Noah Tavares, o Nonô, que reúne 2,5 milhões de fãs.

Em entrevista ao Metrópoles, as psicólogas Patrícia Siqueira, especialista em terapia cognitivo-comportamental, e Manuelly Cardoso, psicóloga infantil e orientadora de pais, analisaram os impactos dessa exposição: os benefícios, os riscos e os cuidados indispensáveis para proteger o bem-estar das crianças.

Benefícios e Oportunidades: A Exposição Pode ser Positiva?

Patrícia destaca que a exposição digital pode oferecer oportunidades para desenvolver habilidades sociais, como empatia e comunicação. Além disso, ela observa que, quando os projetos são conduzidos de forma equilibrada, os vínculos familiares podem ser fortalecidos, e a criança pode se sentir valorizada, o que é um importante reforço para a autoestima.

Manuelly acrescenta que a criação de conteúdo, quando alinhada aos interesses da criança, pode estimular a criatividade, organização e flexibilidade cognitiva. No entanto, ela alerta: “Os benefícios potenciais não tornam a exposição uma prática essencial para o desenvolvimento infantil saudável”. De fato, é fundamental que essa exposição não substitua outras atividades necessárias para o desenvolvimento infantil, como brincadeiras livres e interações face a face.

Riscos da Exposição: Os Impactos Emocionais e Psicológicos

Apesar dos benefícios, os perigos da exposição de crianças são evidentes e não devem ser subestimados. Um dos maiores riscos é o impacto psicológico nas crianças ao crescerem em um ambiente onde o sucesso é medido por curtidas, visualizações e seguidores. Como aponta Patrícia Siqueira: “A criança, mais para frente, pode internalizar a ideia de que seu valor está atrelado a curtidas, visualizações ou quantidade de seguidores”, o que pode prejudicar sua autoimagem e autoestima.

Além disso, Patrícia também chama atenção para os impactos emocionais das críticas negativas e das comparações geradas pela exposição digital. Esses fatores podem desencadear ansiedade não apenas nas crianças, mas também nos próprios pais que acompanham a repercussão das publicações. O feedback negativo em redes sociais é muitas vezes cruel e desproporcional, e as crianças podem não ter maturidade emocional suficiente para lidar com isso.

Manuelly Cardoso complementa, ressaltando que a busca incessante por engajamento pode transformar uma experiência inicialmente prazerosa em uma fonte de estresse. “A exposição constante pode distorcer a percepção que a criança tem de si mesma e dos outros, criando uma sensação de pressão para atender aos padrões estabelecidos no ambiente digital”, alerta. Esse ciclo de pressão e busca por validação externa pode ser prejudicial, criando uma expectativa irrealista sobre aceitação e sucesso.

Consentimento e Ética: O Papel dos Pais na Proteção dos Filhos

Outro ponto delicado é o consentimento. Crianças pequenas, como explica Patrícia, “nem sempre têm entendimento necessário para consentirem ter sua vida exposta”, o que levanta questões éticas sobre o papel dos pais nesse processo. Os pais precisam estar atentos ao fato de que seus filhos, muitas vezes, não compreendem as implicações a longo prazo de terem suas vidas publicamente compartilhadas.

A longo prazo, a criança pode não querer que aqueles momentos íntimos ou pessoais permaneçam disponíveis online, e lidar com as consequências dessa exposição pode ser complicado. Por isso, cabe aos pais avaliar com cautela quais partes da vida dos filhos devem ser publicamente compartilhadas.

Tanto Patrícia quanto Manuelly concordam que a prioridade deve ser a segurança e o bem-estar da criança. Para isso, é essencial limitar a exposição e proteger informações pessoais. A privacidade deve ser cuidadosamente guardada, evitando divulgar dados que possam colocar a criança em risco, como localizações frequentes ou informações sensíveis. Além disso, Manuelly destaca a importância de observar a reação da criança durante as gravações: “Se houver sinais de desconforto, como verbalizações de preocupação, esses podem ser indicativos de que os limites da criança estão sendo ultrapassados”.

Manuelly também sugere que os pais incentivem a espontaneidade e filtrem críticas nos comentários das publicações, evitando que as crianças se exponham a comentários cruéis ou inadequados. Essa moderação é crucial para preservar a saúde mental dos pequenos.

Regulamentação e Considerações Finais

Com as redes sociais cada vez mais em foco, a transformação de crianças em influenciadores é uma realidade que exige discussão e, principalmente, regulamentação. Países como a França já começaram a implementar legislações que protegem o direito à imagem e ao rendimento de crianças influenciadoras, um passo importante na regulamentação desse tipo de conteúdo.

Muitos pais veem a oportunidade como uma forma de garantir uma vida financeira mais estável para a família, mas as especialistas alertam: a maior preocupação deve ser preservar a liberdade e o bem-estar das crianças. O foco deve ser no desenvolvimento saudável, garantindo que elas cresçam em um ambiente seguro, equilibrado e livre das pressões desnecessárias do mundo digital.

Os pais precisam ser cautelosos, observando os sinais de que a exposição está afetando negativamente o comportamento ou o bem-estar emocional de seus filhos. Afinal, a infância é um período essencial para a construção de identidade, e qualquer interferência nesse processo deve ser cuidadosamente monitorada para não gerar danos a longo prazo.

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